A actividade lúdica tem uma importância fundamental na vida da criança, pois lhe acompanha, condiciona e promove o desenvolvimento. Brincar é não só uma necessidade mas também um direito da infância.
– António Cabral, Jogos Populares Infantis
Macaquinho do Chinês
Junto de uma parede está uma criança (macaquinho do chinês) de costas voltadas para outras, que se alinham a certa distância. A primeira diz: “Um, dois, três, macaquinho do chinês”, depressa ou não, só se voltando quando acabar de pronunciar a frase. As outras, enquanto ela fala, aproximam-se o mais que puderem, esforçando-se para que as não veja a movimentarem-se. A que for vista regressa ao ponto de partida. Ganha a que primeiro chegar ao pé do macaquinho do chinês.
Bate e Fica
1. As crianças começam por recitar uma lengalenga, a fim de encontrarem a que vai bater. Uma delas destaca bem as sílabas que vai fazendo corresponder a cada uma das companheiras, apontando-as com a mão. Uma das lengalengas usadas é:
Bate e fica,
ficas tu,
eu não,
mas sim tu.
2. A criança em que recair a última sílaba da lengalenga é que vai perseguir as outras para bater numa delas, isto é, tocar com a mão.
3. A criança apanhada é a que fica a perseguir as outras.
Corrida do Arco
A Corrida do Arco, jogo infantil tão simples, pode refinar-se, como aliás qualquer jogo popular, e dotar-se das excentricidades de uma gincana. Para obter outra espectacularidade nada obsta a que isso aconteça; mas, ao proceder assim, a autenticidade do jogo infantil é desfigurada e o jogo perde em autenticidade e naturalidade. Os meios técnicos do nosso povo e das crianças são sempre muito simples, por vezes toscos; e isso não deve ser esquecido em nome da cultura. Transformar o jogo popular em desporto, codificando-o rigidamente, esbatendo ou eliminando as variantes, é uma tentação dos técnicos desportivos que conduz à desculturação. A cultura é o modo de ser característico de uma comunidade e reside na diferença.
Transformar o jogo popular em desporto, codificando-o rigidamente, esbatendo ou eliminando as variantes, é uma tentação dos técnicos desportivos que conduz à desculturação. A cultura é o modo de ser característico de uma comunidade e reside na diferença.
Estejamos atentos a esta palavra de ordem de antropólogos e etnólogos. Os técnicos desportivos devem tomar isso em consideração, seja em que país for e, quando sentem o gosto ou a vocação de intervir nos domínios da cultura, o que aliás podem e devem fazer, previnam-se contra os excessos, trabalhando em conjunto com os que especificamente realizam investigação cultural.
Com o Jogo da Malha, nalguns pontos do país, há também a tendência para o estabelecimento de regras únicas, inflexíveis, quando se organizam torneios distritais ou regionais. É claro que pode adoptar-se uma variante do jogo, explicando aos participantes que isso é necessário para criar um sistema de pontuação igual para todos. Mas daí até impor posteriormente essa variante como a melhor vai uma grande distância. É que as outras variantes, ficando subalternizadas, tendem a desaparecer e a nossa cultura vai-se tornando, irreversivelmente, mais pobre, o que no mínimo, é lamentável. Por vezes, acontece mesmo inventarem-se regras para o efeito, como as que se relaciona com a altura, espessura e a cor do pino ou paulito e com o peso e forma das malhas… Compreenda-se a intenção que é a do apuro técnico e a de proporcionar uma situação de rigorosa igualdade para todos os participantes, mas recrimine-se o atentado cultural que nem sequer tem em linha de conta a criatividade de quem joga e o prazer como objectivo primeiro do jogo, para se voltar apenas para o resultado final, para a performance, numa palavra, para a competição que é o sinal distintivo do desporto. Ora, se todo o desporto correctamente vivido é jogo, nem todo o jogo é desporto.
Compreenda-se a intenção que é a do apuro técnico e a de proporcionar uma situação de rigorosa igualdade para todos os participantes, mas recrimine-se o atentado cultural que nem sequer tem em linha de conta a criatividade de quem joga e o prazer como objectivo primeiro do jogo, para se voltar apenas para o resultado final, para a performance, numa palavra, para a competição que é o sinal distintivo do desporto. Ora, se todo o desporto correctamente vivido é jogo, nem todo o jogo é desporto.
Vamos então às regras da Corrida do Arco que, na sua forma primitiva, são as seguintes: O corredor utiliza um arco que tanto pode ser de ferro como de cobre, como o que se usa em vasilhas – selha, pipo, caneco, etc. Com uma gancheta de arame, ferro ou mesmo de madeira, faz rolar o arco em caminho livre ou contornando obstáculos: pedras, árvores, colunas, etc. A corrida destina-se a ver quem chega mais depressa a uma determinada meta que tanto pode ficar distante do ponto de partida (ida) como nesse ponto (ida e volta). Os arcos tradicionais são, às vezes, substituídos por pneus de automóveis (nesse caso usam-se duas varas que se metem no interior dos pneus para os fazer rolar) e por aros de bicicletas.
Estas regras muito simples podem ser apresentadas com um certo requinte desportivo. Assim: “A Corrida do Arco é uma prova pedestre em que os concorrentes empurram um arco em ferro com uma gancheta de arame ou ferro, durante determinado tempo (prova de velocidade) ou num percurso com obstáculos (prova de perícia). Na prova de velocidade, os percursos não devem ser superiores a mil metros, sendo classificados os concorrentes conforme a ordem de chegada.
Na prova de perícia, os obstáculos devem ser postos com um intervalo de dois metros na primeira metade do percurso e de um metro na segunda metade.
A pontuação na prova de perícia é a seguinte:
- Queda do arco – 5 pontos
- Derrube de cada obstáculo – 3 pontos
- Por cada minuto de prova – 1 ponto
É vencedor o concorrente que somar o menor número de pontos.
Em ambas as provas, o concorrente que correr sem rodar o arco será desclassificado.
Nas provas em que o resultado final é encontrado no somatório das duas provas, a pontuação da prova de velocidade é dada em função do número de concorrentes e em ordem decrescente”.
António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.