Poemas durienses

“os Poemas durienses são uma autêntica explosão de amor pelo Douro
– A. M. Pires Cabral

“As duas notas mais fundas da poesia de António Cabral neste livro vão para a terra transmontana, dramática e revolta, e para o homem, sobretudo o humilde, que por lá moireja e sua as estopinhas. A poesia da natureza agita-a uma sintaxe bem articulada, e patente emoção dá frémito aos poemas, mas o maior mérito vai para as composições onde surge o homem e o seu drama, e a expressão se condensa.”
– João Maia

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Descrição

“Carlos Queirós escreveu um dia estes versos: “– Vamos todos atados uns aos outros. / Não vos doem os pulsos?” Os poetas quer queiram quer não, mesmo dominando as afinidades e acusando a vida pessoal, vão atados uns aos outros. Há quem sinta os puxões de Homero, de Dante, de Claudel, de Valéry. E os pulsos doem. António Cabral, nestes seus belos poemas durienses, sofre o influxo de três estrelas de alta grandeza – Guerra Junqueiro, Pascoais e Miguel Torga. Mas é talvez Torga quem sombreia mais beneficamente esta poesia. Nos seus momentos de melhor concentração, o poeta mostra que recebeu a lição, mas de modo activo e assimilador: “Montes de pedra dura, / gólgotas / onde os geios são escadas! / Venham ver como sobe o desespero / e a esperança, de mãos dadas.”

As duas notas mais fundas da poesia de António Cabral neste livro vão para a terra transmontana, dramática e revolta, e para o homem, sobretudo o humilde, que por lá moireja e sua as estopinhas. A poesia da natureza agita-a uma sintaxe bem articulada, e patente emoção dá frémito aos poemas, mas o maior mérito vai para as composições onde surge o homem e o seu drama, e a expressão se condensa. O drama, porém da vida dura, inglória, acusa-se não tanto nos poemas, um nadinha ralhados, como nos terreiros neo-realistas, quanto naquela excelente poesia que é – “Descalça vai para a fonte” (…)

Estes poemas são realmente durienses: rocha, fundões plutónicos, vindimas, neves, chão de vida castigada. De longe, parece que essa vida deve ser formosa por lá. Mas tal como a Leonor, entrevista pelos versos de António Cabral, não parece que vá muito segura. Mas é bom que “lá nos altos montes, sem trigais nem vinhas” se erga a voz dos poetas a celebrar, mais que as ermidas e os cerros marânicos, as vidas baças por fora e luminosas por dentro. António Cabral é poeta de cepa. Corte alguns sarmentos que se lhe enrolam nas barbas de Junqueiro, e não deixe que Torga lhe oprima de mais o pulso da escrita. Não lhe falta inspiração.” 1

“Mas, se tivéssemos de escolher um espaço de inspiração por excelência – esse espaço seria o Douro, sobretudo a partir desse livro de extraordinária força que são os Poemas durienses. É certo que já antes em O mar e as águias, assim como em Falo-vos da montanha e A flor e as palavras, já aparece o tema do Douro num ou outro poema. Mas os Poemas durienses são uma autêntica explosão de amor pelo Douro. Seria útil enquadrarmos essa obra na circunstância de António Cabral. O livro é, como já dissemos, de 1963. Em 1962, criara-se em Vila Real, onde António Cabral já vivia, um grupo que se pretendia de intervenção cultural: o Movimento Setentrião, já referido. Era constituído por jovens estudantes e outros, cujas opções políticas eram bem conhecidas. António Cabral, por sua vez, era também um homem de esquerda. O Movimento Setentrião gerou entusiasmos de intervenção cívica nos seus elementos, e o nosso poeta – unanimemente reconhecido como mentor do grupo -, galvanizado por esse entusiasmo, não negou o seu contributo, publicando na Colecção Setentrião os seus Poemas durienses, que obteve logo um considerável reconhecimento público, por ser um olhar novo sobre a região do Douro, de um autor que punha mais ênfase nos dramas e epopeias do homem do Douro do que nas belezas paisagísticas e no folclore que, salvo raras excepções, até então andavam associados à poesia duriense.” 2

“‘Realismo’ e ‘humano’ eram dois conceitos caros ao poeta. ‘Realismo’, para ele, equivalia à recusa de uma literatura socialmente inócua, descomprometida. E no ‘humano’ via sobretudo o sofrimento das gentes do seu Douro natal – aquela que, numa epopeia gigantesca, construiu a terra do vinho e que, no momento de tomar partido, ele escolhe como sendo a sua gente. Unindo os dois conceitos, António Cabral pôde escrever estes versos nos Poemas durienses: “Eu não irei convosco, puros habitantes do sonho. / O meu lugar é aqui, entre os homens: / falo a sua linguagem, sinto as suas dores […]”.

A contemplação dos dramas laborais do Douro, ao mesmo tempo comovida e amotinadora, já tinha frutificado em obras de ficção, algumas bem pungentes, como certos contos de Sangue plebeu, de Pina de Morais, ou o romance Escravidão, de Mário Bernardes Pereira. Mas a poesia mantinha-se asséptica e aristocrariamente arredada. Preferia extasiar-se ante a beleza dos socalcos ou a excelência do vinho fino.

Os Poemas durienses demarcaram-se firmemente desta tradição de poesia amável e rasgaram caminhos poéticos alternativos à concepção mitológico-turística do Douro. “lá em baixo, na curva do rio, / vazadouro e fornalha, está o Pinhão. // Belo!, belo! – dirá o turista. / E o burocrata: progressivo. // Mas o Pinhão não é nada disso, / é mais do que isso, não é nada // do que mostram os documentários de cinema / ou qualquer “Life” comercial. // Pinhão!, capital do suor, os teus caminhos / são pedaços de sangue coagulado.”” 3

  1. MAIA, João – Poemas Durienses. Brotéria. Lisboa. Vol. LXXVIII, n.º 5 (Maio de 1964), pag. 648
  2. CABRAL, A. M. Pires – Viajar com… : António Cabral. Vila Real: Direcção Regional da Cultura do Norte, 2009. ISBN 978-989-8100-31-3. pp. 27-28
  3. CABRAL, A. M. Pires (pref.) – Um livro-programa. Poemas Durienses. Guimarães. Opera Omnia, 2017, pp. 12-13

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