A tentação de Santo Antão

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“António Cabral, lembrando Santo Antão, lutou pelas suas convicções, defendeu os seus ideais e foi um apaixonado das letras, daí o bem merecido Prémio Nacional de Poesia Fernão Magalhães. Sempre vigilante, no lugar alcançado, e guiando os que cá continuam, o seu nome nunca esteve tão vivo e a sua obra tão iluminada.”
– Júlia Serra

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Descrição

“Santo Antão, asceta egípcio do séc. III, passou parte da sua vida no deserto dedicando-se à meditação. Confrontado com tentações diabólicas resistiu firmemente e tornou-se um símbolo de renúncia à vida mundana e ao pecado. Nesta obra, assume uma importância central ao permitir que o poeta metaforize as tentações através das palavras: “mas eu presumo que as tentadoras / pouco teriam a ver com ele e não eram, claro está, / de carne e osso, mas apenas simples palavras” (pág. 14). Ainda na senda de Santo Antão, o poeta afirma no poema “A tentação de Santo Antão” (que dará o título à obra): “A diferença / É esta: / o poeta cria / a sua / tentação / e o santo ninguém / sabe, embora / o prodígio / não se distinga. (pág. 68). Este aproximar da tentação com a descoberta operada pela alegria da comunicação transfere para o sujeito poético uma visão ascética. E António Cabral conseguiu-o, não raras vezes, ao cantar as suas paisagens transmontanas, ao saborear o gosto da terra, afirmando-se um camponês e irmanando-se com ele: “Morreremos ambos ao som da mesma flauta, pois ambos temos de cultivar uma vinha em declive. Escrever é também uma forma de crispar as mãos” (pág. 61). Esta aliança entre o ser e a terra lembra-nos Torga, também este poeta transmontano: “Tal como o camponês que canta a semear / A terra / Ou como tu, pastor, que cantas a bordar / A serra / De brancura / assim eu canto, sem me ouvir cantar, / Livre e à minha altura” (poema “Comunhão”, Cântico do Homem). António Cabral, evocando sempre as suas raízes, aproveita para alargar o seu mapa cultural, abordando outras literaturas e artistas – caso de Rilke, Miguel Ângelo, Bosch, Platão – assim como paragens, desde o Brasil a Istambul, na perspectiva de ler e interpretar que, tal como, no passado, os nossos navegadores foram à descoberta de outras paragens, no presente, e através do roteiro que ele vai traçando, o sujeito poético dirige um convite a descobrirmos a nossa própria terra. É um livro de poemas e de contos, mas também um roteiro geográfico, onde a palavra fronteira adquire um sentido específico face ao humano: “A fronteira é coisa que / ninguém vê: passa na vinha, / na vidraça ou entre os ombros / de um homem e não os divide” (pág. 80). Se, no passado, essa linha divisória implicava passagem na alfândega, fiscalização e hipotéticas transgressões; hoje, o conceito de fronteira implica, sobretudo, uma relação com o outro, um enriquecimento cultural mais diversificado, democrático e global e, nessa perspectiva, António Cabral também evocou a globalização, mas nunca esqueceu o humano. Nos poemas à mistura com prosa, o poeta não esqueceu a mulher do campo, corporizada em Leonor, as terras mais típicas das suas redondezas – Negrões, Atilhó, Larouco, Vilar de Perdizes, Pitões, Montalegre – lugares que se distinguem pela sua diferença, ela mesma evocada com saudade: “Quando finalmente regressámos / ao automóvel, era já de noite e um perfume / de coisas abertas no sentido do que / pressentíamos no outro lado acompanhou-nos” (pág. 73). Esta relação tecida entre o eu e o tu, traduzida na primeira pessoa do plural, é bem sinónimo do valor da memória na construção da escrita. António Cabral, lembrando Santo Antão, lutou pelas suas convicções, defendeu os seus ideais e foi um apaixonado das letras, daí o bem merecido Prémio Nacional de Poesia Fernão Magalhães. Sempre vigilante, no lugar alcançado, e guiando os que cá continuam, o seu nome nunca esteve tão vivo e a sua obra tão iluminada.” 1

  1. SERRA, Júlia – Sobre “A tentação de Santo Antão” de António Cabral.” Notícias de Vila Real. Vila Real (16-07-2008), pág. 10

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Peso 200 g
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