Hoje, o meu pai trazia do campo
grinaldas de espinhos. O suor escorrendo
pela barba crescida. E botas e calças
empoeiradas. Como chuva de fogo
desabava, enorme, o sol.
Outros homens passavam silenciosos.
Meu pai desceu dos ombros o atomizador
donde um pingo azul de sulfato caía.
E, ali mesmo, amaldiçoou a terra,
ele que a ama como se fosse
minha irmã. Ó meu querido pai,
o teu suor escorreu-me no pensamento.
Guardo-o. Deixá-lo-ei envelhecer
como o nosso melhor vinho. Mais tarde
bebê-lo-ei, orgulhoso de ti .
António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.