A Leonor continua descalça,
o que sempre lhe deu certa graça.

Pelo menos não cheira a chulé
e tem nuvem de pó sobre o pé.

Digam lá se as madames do Alvor
são tão lindas como esta Leonor.

Um filhito ranhoso na mão,
uma ideia já podre no pão.

Meia dúzia de sonhos partidos,
a seus pés, como cacos de vidros.

Diga lá se as madames do Alvor
são tão lindas como esta Leonor.

  • Guião, Fotografia, Direcção, Produção e Edição: Orquestra del invisível (O.d.i.)
  • Pós-Produção: Celso Oliveira, Orquestra del invisível (O.d.i.)
  • Elenco: Maria Luísa Coelho Maria de Fátima Ribeiro Laura Benavides Lara
  • Música/Composição: Carla Carvalho, Hélder Costa e Rui Ferreira (Caps)
  • Produção, mistura e masterização: Hélder Costa e Rui Ferreira (Caps)
  • Arranjos: Hélder Costa, Rui Ferreira (Caps) e David Leão (Flautas)
  • Poema: António Cabral, publicado em Emigração clandestina (Centelha, 1977) e Antologia dos poemas durienses (Tartaruga, 1999).

Xícara

Xícara nasce do gosto pela poesia e pela música tradicional portuguesa. Pretende prestar, musicalmente, homenagem a poetas de todo o país, relembrando tradições e enaltecendo a língua camoniana.
Fruto duma rebuscagem da etnografia musical portuguesa, este projeto encerra numa união entre melodias tradicionais e poesia. Revive a nossa riqueza literária fazendo-a acontecer fora do seu íntimo ao mesmo tempo que destaca a sua capacidade de inspirar outras formas de expressão artística. Produto deste casamento, uma pluralidade de formas e tons que se estendem numa perspetiva etnográfica, literária, musical e pedagógica pois tende ainda a chegar a um público mais jovem desvendando uma diferente feição da poesia declarando a dinâmica educativa e o caráter multifacetado da música.
Os poetas reunidos neste projeto foram deliberadamente selecionados de todos os cantos do país tendo sido escolhidos entre outros António Botto, João Penha de Oliveira Fortuna, João de Deus, Fernando Pessoa e João Cabral do Nascimento.
Este projeto é finalizado por Carla Carvalho na voz, David Viegas no baixo, Hélder Costa na braguesa, no bandolim e no cavaquinho, Nuno Cachada, na guitarra clássica, Pedro Gonçalves na percussão e Rui Ferreira (Caps) no piano e acordeão.

“O vilancete “Descalça vai para a fonte” de Luís de Camões (séc. XVI), no qual o poeta realça a beleza da mulher, Leonor, considerada “mulher petrarquiana” pela brancura angelical do seu rosto emoldurado de cabelos dourados, pela graciosidade do seu corpo, pela espiritualidade que irradia, dá o mote, em 1963, ao poeta António Cabral que dá vida a uma outra Leonor, uma Leonor descalça, preocupada com os filhos, também ela formosa, sonhadora, mas com uma angústia incerta no futuro “Virá o dia em que os pés / não sintam a terra dura?”.

Este poema revelador de preocupações sociais leva o cantor de combate, Francisco Fanhais, a adoptá-lo no seu L.P. Canções da Cidade Nova, editado nos finais da década de sessenta. Passados alguns anos, António Cabral traz de volta a sua Leonor que já não vai à fonte, mas continua descalça, sonhos partidos, lutando pela sobrevivência, com o filho ranhoso pela mão. É com esta Leonor que o grupo Xícara, empenhado em homenagear, musicalmente, os poetas de todo o país, nos surpreende com a sua música e voz melodiosa da vocalista.

Cremos veementemente que a mensagem será levada a toda a mulher, sendo ela formosa e sonhadora, mas também lutadora e perseverante. Que nunca ela se venda por um simples par de chinelas.”

– Alzira Cabral 1

  1. in prefácio ao tema “Leonor” dos Xícara
António Cabral para Eito Fora por Pedro Colaço Rosário (2001)

António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.

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