Flores para o Zé da Naia

Entra. Vivo nesta casa, a minha tebaida. A bem dizer, mais no prédio que na casa. E agora vais beber um copito do meu tintol, isso é que vais. Vais tu e vou eu. Por estes pucarinhos de barro que são ainda do tempo da Maria Cachucha. Que sim? Ora, à saúde dos velhos tempos. De quando andávamos naquela escola de sobrado meio rilhado do bicho. E à saída jogávamos ao rou-rou, à roça e ao tiroliro. Isso é que eram tempos! Os velhos trabalhavam e nós brincávamos. Ai tu ris-te! Então lá vai outra pucarada. Tirada aqui do pipo. Que não? Já sei: o enterro precisa de acompanhamento. Pega lá estes figos secos. Vá, não botes olhadura para aquela prateleirinha de livros e para a mesa. Sim, é um livro de Jorge Amado, claro, e aquele caderno tem coisas pessoais. Não bulas. Sape gato. A propósito de Jorge Amado, olha, conheci-o em Manaus, exacto, no Brasil, ao pé do Rio Negro. Já que estou a falar dum rio, vamos sair da espelunca e dar uma vista de olhos ao Douro. Pois. Vê-se meio mundo. A outra metade está dentro de nós. Sentemo-nos neste penedo. Aquele casinhoto redondo ali? Não me digas que já não conheces o engaço! É um sequeiro de figos. Mas tu queres que te fale do Jorge Amado ou do sequeiro de figos?

António Cabral para Eito Fora por Pedro Colaço Rosário (2001)

António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.

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