O dia 1 de Abril é o Dia das Mentiras. Estas já se esperam e por isso na maior parte das vezes não surtem o efeito desejado. Mas há quem se descuide. Por vezes, multidões.
Célebre ficou a mentirinha do jornal londrino Daily Herald, em 31 de Março de 1905: “Se tiverem caroços de pêssegos ou tâmaras em casa, tragam-nos amanhã, entre o meio-dia e a uma hora da tarde, a Trafalgar Square. Servirão para o repovoamento florestal do deserto do Sara, no Norte de África, a fim de melhorar as condições de vida dos povos subalimentados daquela região.” No dia seguinte, largas centenas de pessoas acorreram à mais conhecida praça de Londres. Se a mentira pega, toca sempre um ponto fraco do “apanhado”. Essa foi uma mentira graciosa em que o jogo é evidente pela criação (imitação) de um falso cenário e pelo desafio com desfecho imprevisível. Mas há também as mentiras piedosas e as dolosas, consoante a boa e a má intenção. Nestes casos intervém a atitude moral e o jogo atenua-se, embora os princípios mimético e conflitivo continuem a existir. Um meio jogo, digamos.
Escreveu Greimas que “o jogo da verdade e da decepção (muito empregado na literatura oral) se apoia numa categoria gramatical, a do ser vs parecer”. A mentira é a conjugação do parecer e do não-ser. Jogo, pois. Que o povo há muito descobriu, quando diz: “anda meio mundo a enganar o outro meio”.
António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.