Corrida de caracóis

Caracol

Num verão dos anos 50, o Padre Adolfo Magalhães anunciou no Vidago, onde era pároco, uma corrida de caracóis. Os aquistas daquela estância termal acorreram em grande número ao salão do hotel onde o feito ia realizar-se.

Muito simples. Em cima de uma mesa, o padre fantasista e bem humorado colocou dois caracóis esfomeados, à distância de cerca de dois palmos um do outro, plantando-lhes a meio uma fresquinha folha de hortaliça. Os mirones afilaram o nariz, na expectativa. E a verdade é que os caracóis acabaram por se desenroscar, tentáculos à coca, radar guloso, e iniciaram a corrida que, para gáudio dos circunstantes, teve um vencedor e um vencido. Um jogo de soma zero, como conspicuamente diz a teoria dos jogos que tanto se aplica às matemáticas como aos vorazes caracolitos.

Palmas para os moluscos gastrópodes pulmonados – para os dois, vencedor e vencido, pois ganhar e perder é jogo, ora! E palmas também para o engenhoso rival de Skinner que divertiu a maltósia por um quarto de águas.

Se é verdade que exempla trahunt então, senhores leitores, vejam se são capazes de organizar uma corrida de caranguejos ou de borboletas. E, se de algum encorajamento lhes servir a notícia que tenho na manga, sempre lhes digo que, de acordo com as previsões de um biólogo meu amigo, está prestes o dia em que se vai organizar uma corridinha de cromossomas para saber na hora tanto a cor dos olhos como o sexo do nasciturno.

António Cabral para Eito Fora por Pedro Colaço Rosário (2001)

António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.

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