O gato do vento mia nas frinchas da janela.
“Dorme, menino, dorme.”
Teu pai
anda triste como as sombras
do fundo da cozinha
pois, há dois dias, o vento destroça
as inocentes videiras sem defesa.
Vê-se da janela o bailado infernal:
parecem virgens malucas
ou esqueletos a que roubassem a carne e a alegria.
Mas tu não olhes.
“Dorme, menino, dorme.”
Teu pai, apesar de tudo, não desespera
e traz uma estrela nos olhos
para te dar, quando adormeceres.
Dorme, enquanto o gato do vento mia nas frinchas da janela.
António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.