Moça tão formosa
não vi na fronteira
como uma ceifeira
que cantava rosa.
Foi em Barca d’Alva
quando o sol nascia
uma ceifeira cantava
cantando vertia
trovas na fronteira
quando o sol nascia.
A saia de chita,
bluzinha limão.
Que coisa bonita
sobre o coração!
Nos ramos da luz
um fruto limão.
De foice na mão
suspensa dum sonho
mordendo dois bagos
rubros de medonho;
seus olhos dois bagos
suspensos dum sonho,
que engano de rosa?
“Esta quase centena de poemas tem sido cantada em convívios académicos, em associações recreativas, cooperativas, salões de bombeiros, ar livre; algumas foram premiadas; algumas foram proibidas. De qualquer modo têm promovido não só estádios mentais muito importantes para o nosso tempo como têm conseguido leitores para livros e autores até há bem pouco arrumados na prateleira do esquecimento ou no usufruto de minorias intelectualizadas, no sentido mais restrito da palavra. Eis o balanço, o deve e o haver de uma intervenção que alcançou foros de cidadania através de um programa de televisão que se chamou “Zip-Zip”. Nele, as pantalhas negadas a José Afonso e a Adriano Correia de Oliveira estiveram à disposição (circunstancial) de um Fanhais, de um Vieira da Silva, de um Manuel Freire, alguns posteriormente condicionados na sua liberdade de cantar publicamente.
Convém que deixe uma palavra de ternura por uma revista intitulada “Mundo da Canção”. Pois ao contrário do que poderão imaginar os juízes de coisa nenhuma e atenção falhada no título um tanto vulgar, esta publicação tem sido o grande baluarte do movimento de renovação da música portuguesa. Nas suas colunas se defenderam, tantas vezes quixotescamente, os valores essenciais da palavra cantada como intervenção. E se combateu simultaneamente o mau gosto.”
– José Viale Moutinho 1
- in prefácio à 1.º edição de O nosso amargo cancioneiro (1972) ↩
António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.