– Donde vem a carta,
senhora Maria?
– Vem da capital
é da Companhia.
(A Maria Pêdra
tem um ar de pedra
onde nem deixaram
crescer uma erva).
– E que diz a carta,
senhora Maria?
– Que no Douro o sol
nasce ao meio-dia.
(A Maria Pêdra
fala como quem
entra numa igreja
e não vê ninguém).
– É sobre o seu filho,
senhora Maria?
– Tivesse eu dinheiro
que nada haveria.
(A Maria Pêdra
tem no pensamento
um velho estandarte
flutuando ao vento).
– Mas que diz a carta,
senhora Maria?
– Pudesse eu falar
contra a Companhia!…
(A Maria Pêdra
é como o poeta
que mete os poemas
dentro da gaveta).
“É bem patente por parte de quem nos ouvia este desejo de acalentarmos nas pessoas esta vontade de transformação do nosso país e que acabasse a situação trágica que nós estávamos a viver. Sobretudo, o drama maior que nós tínhamos era o drama da guerra colonial (…). A guerra colonial levava 40% do orçamento geral do estado, mas tinha agregado a si todas essas situações mais concretas da perseguição, da PIDE, da tortura, do assassinato, da censura. Tudo isso estava bem presente.”
– Francisco Fanhais 1
António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.