À saída do correio

– Donde vem a carta,
senhora Maria?
– Vem da capital
é da Companhia.

(A Maria Pêdra
tem um ar de pedra
onde nem deixaram
crescer uma erva).

– E que diz a carta,
senhora Maria?
– Que no Douro o sol
nasce ao meio-dia.

(A Maria Pêdra
fala como quem
entra numa igreja
e não vê ninguém).

– É sobre o seu filho,
senhora Maria?
– Tivesse eu dinheiro
que nada haveria.

(A Maria Pêdra
tem no pensamento
um velho estandarte
flutuando ao vento).

– Mas que diz a carta,
senhora Maria?
– Pudesse eu falar
contra a Companhia!…

(A Maria Pêdra
é como o poeta
que mete os poemas
dentro da gaveta).

O poema “À saída do correio” foi originalmente publicado em Os homens cantam a Nordeste (1967). Francisco Fanhais musicou-o e inclui-o no álbum Canções da cidade nova (1970), considerado um disco de combate à ditadura de Salazar. Poema e canção vieram mais tarde a ser incluídos na Antologia dos poemas durienses (1999) e no álbum de Fanhais ‘Dedicatória’ (1998).

“É bem patente por parte de quem nos ouvia este desejo de acalentarmos nas pessoas esta vontade de transformação do nosso país e que acabasse a situação trágica que nós estávamos a viver. Sobretudo, o drama maior que nós tínhamos era o drama da guerra colonial (…). A guerra colonial levava 40% do orçamento geral do estado, mas tinha agregado a si todas essas situações mais concretas da perseguição, da PIDE, da tortura, do assassinato, da censura. Tudo isso estava bem presente.”

– Francisco Fanhais 1

  1. PACHECO, Nuno; FANHAIS, Francisco – Seis canções que ajudaram a fazer Abril: Grândola, vila morena: Canções de Abril., 25 Abr. 2024. Disponível em: Spotify.
António Cabral para Eito Fora por Pedro Colaço Rosário (2001)

António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.

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