A necessidade do Jogo Popular

O jogo popular é caracteristicamente uma expressão cultural. Não deve confundir-se com o desporto: precede-o, tem características que lhe ampliam o modo de ser, embora frequentemente lhe corra ao lado, mas sem os rigores federativos, as regras fixas e o carácter mais de competição do que de festa, destacando-se-lhe a ligação regional, o que naturalmente não é tão evidente nos joguinhos infantis. Não custa a aceitar que os jogos populares devam ter-se na qualidade de património a merecer a atenção de todos nós, sejam quais forem o lugar em que vivamos e a comunidade a que pertençamos. Mas também é verdade que uma globalização mal orientada e entendida os tem subalternizado.

Já escrevi e tenho-o repetido de várias maneiras que é necessário preservar quanto possível as tradições do nosso povo. Preservação que não signifique o desejo de manter formas ultrapassadas de viver que o tempo tornou caducas e incapazes de dar resposta aos anseios e impulsos do nosso tempo, mas que, encarando o movimento progressivo da história, saiba conjugar o presente com o passado, descobrindo neste as artérias ainda vivas, aquelas que proporcionam um melhor conhecimento do que somos ou que podem ainda possibilitar um modo característico de ser e de viver, sem entrar em contradição com o que verdadeiramente somos e devemos ser.

Não podemos esquecer-nos de que é preciso compreender o que é o nosso povo nas suas inclinações e passatempos, pois assim de alguma forma nos compreendemos a nós. É preciso entender o jogo popular tradicional como festa, como vibração do que em nós permanece unido ao trabalho rural e ao oficinal, às experiências diárias mais exaltantes, às crenças e lendas. Esta formosa actividade lúdica converter-se-á numa caixa de ressonância, num lenitivo durante as breves pausas que as pressas diárias nos proporcionam ainda e também na relação com o outro, na comunicação com ele, em ordem sobretudo a uma cada vez melhor integração na vida comunitária, o que certo desporto de alta competição, quando exacerbada, está longe de conseguir.

Deixemos florir em todos nós, ao praticarmos um jogo popular, da nossa terra ou doutra, o sentido lúdico infantil, não para voltarmos a ser crianças – basta pormos um pouco do seu olhar e das suas mãos em cada lance do jogo. É essa uma das formas de entrar no paraíso, no paraíso possível, que a vida nos pode dar.

Prefácio ao livro: OLIVEIRA, António Miguel Alves – Jogos populares e tradicionais portugueses: traduzidos em inglês e francês =. 1a edição ed. S. Pedro da Cova : Associação Recreativa, Cultural e Social de Silveirinhos, 2006. ISBN 978-972-98351-1-7.

António Cabral para Eito Fora por Pedro Colaço Rosário (2001)

António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.

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