Ainda era uma aldeia sossegada. Começaram a lavrar o quintal da casa onde viviam, ao longo do muro que demarca da via pública a courela cimeira. Ela à frente do jumento e ele atrás com a rabiça do arado. O jumento estacou subitamente e viram alguém chegar à cancela. Ele foi ver. O desconhecido disse-lhe que, se quisesse vender a courelazita, comprava e pagava bem. Poria ali uma vivenda ou de preferência um pomar. Pomar ou alguma indústria de barulhos e ferrangachos? – pensou o camponês. Sentiu um matraquear metálico e viu o desconhecido a enxamear-se duma espécie de furúnculos que cresciam em ramificações até se transformar numa retroescavadora, as lagartas, o barrigame peidante e a grande unha minaz. Podia não achar graça, mas achou, embora recuando uns passos. Ouviu-se então uma gargalhada que estrondeou no vale, finalmente debaixo do olho ciclópico do mercado livre. Era o burro a zurrar. A máquina foi-se encolhendo, rangendo, e reapareceu o forasteiro que, antes de se retirar, disse, melieiro: até mais logo.
António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.