Nesta manhã de Abril a terra fala
e cada coisa diz uma palavra:
o sol, as árvores
e aquele melro,
carvão aceso numa urze em flor.
Trazemos os pés húmidos da relva,
mas, sob o pólen fulvo dos pinheiros,
que a aragem leva,
uma forte volúpia
nos dilata as narinas e transborda
nos olhos ledos como poços cheios.
Tudo é florido, estevas e carquejas…
Não há ave sem canto,
não há ramo sem flor.
Amarelo, lilás, vermelho, branco,
cem cores, ao passarmos, nos saúdam;
e este cheiro fresquíssimo
diz-nos que por aqui há rosmaninho.
O sol é um cântico.
Fragas cheias de musgo – ossos e pele.
A terra – carne jovem que se entrega.
Ao longe é o dorso azul da serrania
e, ao fundo, corpulento,
o Douro passa como um rei soberbo.
Deixemos ir os olhos com os barcos…
Deixemo-nos boiar neste segredo
que toca a natureza e se derrama
como um perfume.
Vivamos só este momento, longe
do pensamento, e claros como a água,
como o sol, como as flores, como a terra.
António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.