Ainda não sabias que forma de consolação te iria esperar, ao embrenhares-te pela montanha, de aldeia em aldeia. Estava frio e por ali andava-se aos cogumelos, andava toda a gente. Somos todos cogumelos. E comestíveis, afiança-te o pára-brisas do carro. Ai as nossas aldeias exíguas, as nossas aldeias conspícuas, as nossas aldeias oblíquas! As nossas aldeias. Serranas, amenas, ridículas, obscenas, ubíquas. À noite dormiria contigo a cena do entardecer que presenciaste nesse dia de campanha eleitoral: uma caravana a passar junto de certa casa, alguém a bater ao postigo e a vir de lá uma voz compungida: Nossenhor o favoreça, agora não pode ser. Quem diria que nessa noite em que foram conhecidos os resultados das eleições viesse a acontecer aquilo? Fizeram uma caldeirada dos habitantes-cogumelos que foram opípara e meticulosamente deglutidos com outras iguarias. Durante alguns meses ainda se viu andar por ali o que havia neles de espírito de vegetação, isto é, o osso difícil de roer, até que, um a um, acabaram por se ir embora, para outras paragens de vento. Quem mo disse foi uma velhinha de séculos ao postigo do seu casinhoto. Que não foi nada assim, que não sobrou ali velha nenhuma, disse-me alguém. Seria uma bruxa, seria. O alguém vai instalar no abandonado e rumoroso casario um aldeamento turístico, um sonho, cada casa com uma árvore diferente ao lado das escadinhas: o pinheiro, o carvalho, a faia, a bétula, o castanheiro, and so on. Ouve-se ainda o violoncelo dos telhados. Fica-te essa consolação.
António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.