Descrição
O nevoeiro dava sinais de querer evolar-se completamente, mas tão depressa ia como vinha, abrindo concavidades de uma luminosidade difusa. Os grandes mortórios durienses apanhados pelo refluxo tinham imagens de farrapos brancos, doces fantasmas, pendurados pelas ramarias. Começava a ver-se bem o torcicolo da estrada S. Mamede-Tua, a cavaleiro do rio, a caprichosa Curva do Violão, depois o renque de casas alvacentas de Foztua, a acompanhar o caminho de ferro, como a querer retardar a despedida dos comboios, lá vai um em direção ao mundo – por detrás destas montanhas não haverá mais do que planícies e grandes cidades com seus aviões riscando o azul, suas fábricas e homens que nunca param? O rio vem de lá, ora apertado entre margens fragosas, como se as mãos da terra o quisessem prender, tactear, absorver em seu mistério de séculos, ora dilatando-se mais, é o que acontece aqui em frente, parando quase as águas de escamas prateadas, onde um barco visto assim de longe se assemelha a uma ideia na travessia do espanto. Rio também barrento, a cor da terra, para que a alma seja inteira. Desapareceu o nevoeiro por completo, nas ribas de um e outro lado fumegam já as chaminés de muitas quintas, castelos do vinho: para leste, em frente do Tua, as quintas da Barreira e dos Arciprestes, outras por aí abaixo, menos abastadas mas igualmente quintas; deste lado as dos Malvedos, de Sobradais e do Merouço. É aqui que Isabel está, julgo adivinhar-lhe o vulto ao lado de um grupo de mulheres que apanham azeitona, curvadas sobre a terra. Não, não é essa, é aquela, o verde que transluz entre o fumo branco de uma fogueira, tem uma vara na mão para aconchegar a lenha, é ela mesmo.
[excerto]
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