Descrição
Há, entre os novos poetas editados, casos de esgotamento precoce que se devem a essa obsessiva preocupação com o estilo, a voz, a singularidade pessoais: não fogem à receita que escolheram, não variam, no mesmo livro e de livro para livro, a técnica conquistada e os mecanismos postos em prática repetem-se monotonamente até à exaustão. (…)
António Cabral prefere a comunicação e a variabilidade de “receitas”; prefere a pesquisa (ainda quando se verificam estéreis); prefere socorrer-se de fontes alheias a permanecer em exclusiva dependência de si próprio. Queiram ou não os obcecados de estilo e originalidade (preconceito que a doutrinação presencista e as suas dependências quiseram enraizar de forma definitiva) há uma linguagem poética onde podem coexistir temas e técnicas das mais diversas origens; onde as “influências” ou contaminações estranhas são sinal de riqueza em vez do anátema que a crítica disse que era; onde a miscigenação de “etnias” substitui um puritanismo rácico absurdo.
A unidade de poetas como António Cabral não reside na monotonia cromática dos seus versos mas a disponibilidade constante para aceitar, ao mais leve aceno, sugestões, motes, temas, motivos, rimas, realidades e apelos que podem servir à sua oficina poética. Tem assim muito de experimental este livro polifacético que um fio de continuidade, no entanto, percorre a paisagem duriense, o Marão, os dramas, e problemas dos que vivem na montanha, as vilas e aldeias perdidas a Nordeste, o emigrante, o “porto”, as contradições de uma realidade que o poeta conheceu antes de contar, que estudou e amou antes de cantar. 1
(…) com fingimento e simulação, brinco e ironia, ginástica do génio ou linguagem tradicional da mais genial corrente poética galego-portuguesa – essa que vem do Santillana e passa por Rodrigues Lobo –, António Cabral mostra-se altamente dotado de predicados líricos. (João Gaspar Simões)
A colectânea revela, assim, uma fase experimental deste poeta, mas é manifesto, mesmo sob este aspecto, o progresso sobre Poemas Durienses, o seu livro anterior, sendo muitos os poemas em que as palavras e as ideias que aquelas transportam encontraram uma plena realização rítmica – provando que elas, como A. C. de resto firmemente crê, têm ainda alguma validade e eficiência nesta época do Mundo. 2
(…) com fingimento e simulação, brinco e ironia, ginástica do génio ou linguagem tradicional da mais genial corrente poética galego-portuguesa – essa que vem do Santillana e passa por Rodrigues Lobo –, António Cabral mostra-se altamente dotado de predicados líricos. 3
De há muito que admiro António Cabral, o poeta e o etnólogo. O seu livro Os Homens Cantam a Nordeste (1967) foi um dos que mais me impressionaram e despertaram uma consciência social, no fervilhar generoso dos vinte e poucos anos e no clima irrespirável nos estertores do consulado salazarista. 4
- CAUTELA, Afonso – Os homens cantam a Nordeste. Vida Mundial. N.º 1463 (23-06-67) ↩
- NEVES, Nuno Teixeira – António Cabral ou o Alto Douro como tema de poesia. Jornal de Notícias. Porto. Ano 80, n.º 76 (17-08-1967), pp. 19-20 ↩
- SIMÕES, João Gaspar – “Os homens cantam a Nordeste”, por António Cabral. Diário de Notícias. Lisboa. Ano 103.º, n.º 36468 (14-09-1967), pp. 15-16 ↩
- LIMA, Cláudio – Tópicos atípicos. Entre letras. Tomar. ISSN 1645-1880. N.º 9 (2006), pag. 49-50 ↩
Avaliações
Ainda não existem avaliações.