Em Setembro é a Senhora dos Remédios.
Mãe, deixe-me ir à Senhora dos Remédios.
Já tenho dezassete anos, já não uso tranças
e sei-me portar como uma senhora:
já posso ir à Senhora dos Remédios.
Aquilo é que é uma festa, mãe. Disse o João
que nem o Viso nem o S. Leonardo juntos
chegam aos calcanhares da Senhora dos Remédios.
Muita gente, muita gente, foguetes,
arcos, música e ruas largas, muito largas.
Fontes e Galafura são umas territas…
Lamego, não. Lamego é uma cidade,
disse o João. E o Santuário?
Ah o Santuário é que é importante!
Só o escadario tem mais pedra
que a nossa terra toda junta.
Muita gente de joelhos por ali acima:
uns com velas, outros sem velas…
Aquilo é que são promessas! Ó mãe,
também hei-de fazer uma promessa.
Já tenho as minhas coisitas:
já é tempo de fazer uma promessa.
Vai ser lindo, lindo, subir o escadario de joelhos.
Depois, hei-de chorar ao pé do andor da Senhora.
E a procissão? Ah a procissão!
Os anjinhos são tantos como as estrelas.
Disse o João e ele não mentia.
Muita gente e andores muito altos.
Aquilo sim. E há respeito. Respeito, mãe!
É a Senhora dos Remédios e a Senhora dos Remédios
não é uma santa como outra qualquer.
Depois vem o arraial. O arraial é que é!
Nem o do Socorro, nem o da Assunção, nem nada.
Música por todos os lados, foguetes,
música, muitos foguetes,
e é dançar até de madrugada.
Mãe, deixe-me ir à Senhora dos Remédios.
O João, este ano, também vai…
António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.