Portugal cheiinho de emigrantes. A rebentar pelas costuras. A transbordar. Nas aldeias, nas vilas e nas pequenas cidades do interior os emigrantes dão nas vistas: carros que voam, dinheiro a luzir, a alegria dum abraço. Tudo ruidoso. A saudade das férias. A esperança reanimada ao calor das noivas e das mães. Alguns sonhos partidos, é certo: todo o sonho é de vidro e por isso parte-se com facilidade.
As andorinhas regressam em Março; os emigrantes, em Agosto. Ambos anunciam um reverdecer. Entram em nós. De tal maneira que, às vezes, ficamos com um remorso a ficar na alma.
As andorinhas regressam em Março; os emigrantes, em Agosto. Ambos anunciam um reverdecer.
Os emigrantes acotovelam-se connosco. O espaço é mais curto. Até nos zangamos, quando na loja falta o leite ou o pão. Apercebemo-nos, então, de que Portugal é mesmo pequenino. Mas, apesar disso, com uma das indústrias mais progressivas do mundo: a da emigração.
Pergunto: quem já pensou a sério, bem a sério, nas razões que levam uma pessoa a emigrar?
Adeus, torre do relógio
encravadinha no céu;
vou-me embora porque o tempo
que tu marcas não é o meu.
Adeus, adeus, Montalegre,
já vejo terras de Espanha:
vou ter com o meu amor
que labuta na Alemanha.
Que labuta na Alemanha,
na França, no Canadá:
procura fora da pátria
o que a pátria não lhe dá.
António Cabral [1931-2007] foi um poeta, ficcionista, cronista, ensaísta, dramaturgo, etnógrafo e divulgador da cultura popular portuguesa.